A declaração, feita a bordo do Air Force One, sugere que as opções de Washington incluem “tropas em terra” ou “outras ações”, se o governo nigeriano não conseguir conter a violência. A fala de Trump ocorre após a reinclusão da Nigéria na lista americana de “Países de Preocupação Especial” em matéria de liberdade religiosa – classificação que também inclui nações como China, Rússia e Coreia do Norte.
Mantendo o foco na tensão entre crises humanitárias de grandes proporções e a ameaça de intervenção militar estrangeira, um tema de similar relevância e atualidade é a escalada do conflito no Sudão, que tem gerado um dos maiores deslocamentos internos do mundo e onde o risco de atrocidades em massa é crescente, conforme alertas de organizações humanitárias.
O Dilema do Sudão:
A guerra civil sudanesa, que eclodiu em abril entre o Exército Sudanês (SAF) e as Forças de Suporte Rápido (RSF), levou a mais de 7 milhões de pessoas deslocadas e a relatos de limpeza étnica e crimes de genocídio em Darfur. Agências como os Médicos Sem Fronteiras (MSF) alertaram recentemente sobre o risco de um massacre em El Fasher, com a população enfrentando atrocidades como tortura, violência sexual e sequestros.
A gravidade da crise humanitária no Sudão, no entanto, não tem gerado o mesmo clamor por uma intervenção militar dos EUA, ou da comunidade internacional, como o observado na retórica do Presidente Trump sobre a Nigéria. Isso ressalta o cerne do debate: quais critérios guiam a atenção global e a possível intervenção em crises de direitos humanos?
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Na Nigéria: O foco americano, articulado pelo Presidente Trump, é na perseguição religiosa a cristãos.
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No Sudão: A crise é predominantemente vista como um conflito de poder interno, apesar dos relatos de atrocidades em massa, deslocamento recorde e fome.
Na Nigéria, a ameaça do Presidente Trump foi recebida com cautela. Daniel Bwala, assessor do Presidente Bola Tinubu, afirmou que o país está aberto à cooperação, mas exigiu o respeito à soberania nacional.
“Recebemos com satisfação a ajuda dos EUA, desde que nossa integridade territorial seja reconhecida… Não existe genocídio cristão na Nigéria,” declarou Bwala, refletindo a negação do governo de que haja uma perseguição religiosa seletiva.
A divergência entre a percepção americana e a análise de especialistas (que veem um conflito complexo entre extremistas, pastores e agricultores, que afeta tanto muçulmanos quanto cristãos) é o ponto de atrito.
Especialistas em segurança alertam que, assim como no Sudão, uma intervenção militar externa na Nigéria seria logística e politicamente complexa, especialmente após a retirada de tropas americanas do vizinho Níger em 2023.
O Pano de Fundo: Soberania vs. Responsabilidade de Proteger (R2P)
O cerne do debate, tanto na Nigéria quanto no Sudão, reside no princípio da Responsabilidade de Proteger (R2P), adotado pela ONU, que sugere que a soberania estatal não é uma licença para matar ou permitir atrocidades. No entanto, a aplicação da R2P frequentemente se choca com a política internacional e a geopolítica.
A pressão pública por uma ação, como a manifestada por líderes evangélicos e cristãos em Abuja que apoiam a intervenção do Presidente Trump, adiciona uma camada de complexidade ao cálculo estratégico.
Ambos os casos – Nigéria e Sudão – expõem o desafio da comunidade global em responder de forma consistente e eficaz a crises humanitárias que ameaçam milhões de vidas, equilibrando a proteção dos direitos humanos com o respeito à soberania nacional.